O Código Florestal, o pacto do
agronegócio e a articulação ruralista
O novo Código Florestal, relatado
pelo deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) agradou apenas aos ruralistas
Uma consequência indireta da
articulação ruralista-parlamentar para afrouxamento na legislação ambiental
florestal é um tácito relançamento da questão agrária ao debate público dos
grandes meios de comunicação, mesmo que os publicistas que tratam desses problemas
não se deem conta. Na verdade o que está em jogo na discussão do Código Florestal é o controle público-
privado do território, onde os direitos de propriedade fundiária não podem
ignorar o caráter social e público dos recursos naturais que integram
continuamente esse território.
Por seu turno, ao reduzir em
geral as áreas de mata ciliar (no entorno dos rios) e dispensar as propriedades
com até quatro módulos rurais das chamadas Áreas de Preservação Permanente
(topos e encostas de morros e mata ciliar), ao mesmo tempo em que propõe forte
descentralização estadual, municipal para cuidar de biomas nacionais –
Amazonas, Cerrados, Caatinga, Pantanal etc (ou plurinacionais), o Relatório de
Aldo Rebelo conseguiu a proeza desunir partes e peças do agronegócio, até bem
pouco coesas e omissas na política agrária da função social da propriedade
rural.
A Embrapa por intermédio de suas
unidades de meio ambiente subsidiou fortemente a SBPC e a Academia Brasileira
de Ciências, alertando e contestando as pretensões do Relatório de Rebelo,
fazendo inclusive previsões nada lisonjeiras sobre a perda de biodiversidade e
às consequências desastrosas sobre hidrologia e aumento do efeito estufa, das
ações propostas pelos ruralistas.
A própria mídia televisiva, à
frente a Rede Globo de Televisão, deu destaque e cobertura jornalística
informativa profissional às questões levantadas pelo Relatório Rebelo, algo que
já vinha sendo feito pela grande mídia impressa, permitindo aos telespectadores
e leitores formar juízos sobre ação pública em curso na esfera parlamentar.
Ora, com o tratamento democrático
da informação, num campo em que se lida com interesses classistas muito
arraigados – o do agronegócio – produziu-se um curioso processo de formação de
opinião pública, que de certa forma ameaça a estratégia ruralista original, que
é de eliminar qualquer restrição social
e ambiental aos direitos privados absolutos.
O governo federal, que até o
presente se manteve na sombra, tem ou teria uma oportunidade de ouro para
alterar as bases de sua aliança conservadora com os ruralistas, não estivesse
ele próprio envolvido nas tratativas da “reforma” do Código Florestal, urdidas
no governo Lula, sob a égide do então Ministro da Agricultura, Reynold
Stephanes.
O que está ficando cada vez mais claro
é uma pequena fratura no pacto do agronegócio, no qual a questão ambiental,
seja por pressão urbana, oriunda da intuição dos riscos climáticos associados,
seja pela legítima pressão externa,
ligada aos impactos do efeito estufa, estariam recolocando na agenda política
os novos componentes da velha questão agrária. Mas não tenhamos ilusões com a
elite do poder, incluindo os novos sócios, agregados no último decênio. Não
está em pauta reverter a aliança das cadeias agroindustriais, grandes
proprietários fundiários e o Estado brasileiro para exportar “commodities” a
qualquer custo, que é em essência a estratégia do agronegócio brasileiro. Mas
talvez não se deixar engolir pelas extravagâncias deste pacto conservador.
De qualquer forma é muito
didática a discussão do Código Florestal ora em curso, porque ela trata
indiretamente, mas essencialmente dos direitos de propriedade fundiária,
aflorando até mesmo um conceito praticamente em desuso – o do minifúndio, que é
utilizado pelos ruralistas como argumento para isenção de pequenos imóveis
rurais de cumprir a exigência de Áreas de Preservação Permanente (APPs), tese
inteiramente resolvida há 55 anos no Estatuto da Terra.
Infelizmente o que não está em
discussão é a absoluta frouxidão das políticas fundiária e ambiental de cumprir
e fazer cumprir as regras de direito agrário e ambiental, que são ponto de
partida para se conviver civilizadamente no presente e muito mais ainda no
futuro. Mesmo assim, o Relatório Rebelo pretende afrouxar ainda mais, aplicando
provavelmente a estratégia de “por e
tirar o bode da sala principal”.
Fonte: Correio do Brasil
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